ENTREVISTA – Com uma visão inovadora, o Maestro Ruriá Duprat conta sua história e avalia a música brasileira

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Do Portal Betioli, por Daniele Flöter

De uma família de musicistas, Ruriá Duprat deixou a paixão pela música se tornar sua profissão. Para isso, não ficou preso a um único instrumento. Ousado, aos 22 anos ouviu o conselho dos pais e buscou especialização na Berklee College of Music em Boston, nos Estados Unidos, conseguindo ainda uma bolsa de ninguém menos que Quincy Jones, que tinha um programa de bolsas de estudo nesta escola.

Style: "P 45 Product - Ultra sharp"

Referência no mercado da música, Ruriá e sua empresa, a Banda Sonora, podem contar com orgulho que já receberam um Grammy na categoria de Melhor Álbum de Jazz Contemporâneo – concorrendo com grandes nomes como: John McLaughlin, Mike Stern, Yellow Jackets e Tom Scott.

Mas como um maestro com uma visão tão completa sobre a música e conhecimento profundo avalia o mercado da música brasileira? “Por que vemos tanta gente cantando bem em programas de TV como o The Voice Brasil e nem sempre vemos gente de sucesso cantando tão bem nas rádios e programas da TV aberta?” é um dos pontos que ele levanta.

Como começou a sua história com a música?

Ruriá Duprat – A música invadiu a minha vida desde muito cedo. Venho de uma família de musicistas. Meu pai, Régis Duprat, é musicólogo e quando eu nasci, ele era violista, minha mãe, violinista e meu tio, Rogério Duprat – antes de ser o “maestro do Tropicalismo” – tocava Violoncelo, todos na Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo.

Sempre que pensamos em um maestro, fazemos relação com grandes orquestras, mas sua trajetória profissional é repleta de outras áreas: trilhas sonoras, produções, jingles. Como você desenhou a sua trajetória profissional?

Ruriá Duprat – O fato de eu ter tido contato com a música desde cedo fez com que eu me interessasse por diversos assuntos dentro desta arte. Aos 4 anos de idade, comecei a estudar violão e foi aprendendo os primeiros acordes que comecei a me interessar por harmonia. Eu percebia que podia colocar um outro acorde naquele mesmo trecho da música. Acho que foram os primeiros flashes de um futuro interesse por fazer arranjos.

Aos 10 anos, me interessei por tocar bateria e meus pais me inscreveram na Escola Municipal de Música onde comecei a estudar percussão sinfônica. Neste curso, aulas de piano eram obrigatórias. Mas embora eu tenha continuado a estudar percussão e bateria, meu interesse pelo piano foi crescendo cada vez mais até que aos 14 anos, migrei definitivamente para este instrumento.

Aos 17 comecei a acompanhar artistas. O primeiro deles foi Altemar Dutra, minha mãe tinha de ir ao aeroporto para me liberar perante o juizado de menores quando viajávamos para fazer shows fora de São Paulo. Já aos 19, a banda que eu tinha com o percussionista Marco Bosco, o Grupo Acarú, recebeu um convite pra mudar pro Japão pra tocar num Night Club chamado Hot Crocket. Voltando de lá depois de seis meses, trouxe na bagagem alguns dos primeiros sintetizadores que, na época, acabavam de sair no mercado. Nasceu assim o meu interesse por sintesis.

Uma vez no Brasil, em posse de um equipamento invejável e um grande conhecimento dos instrumentos que eu possuía, comecei a gravar em estúdios de gravação. Inicialmente como músico. Mas aos poucos começavam a me chamar pra criar jingles, trilhas sonoras para televisão e cinema e também comecei a fazer arranjos para cantores populares como Belchior, Renato Teixeira, Luis Ayrão, e Sá e Guarabyra, entre outros. Começava aqui o meu lado de compositor e arranjador.

Alguns dos arranjos que eu fazia requeriam uma sessão de cordas ou um naipe de metais. Alguém precisava reger aquilo, e aos poucos fui adquirindo conhecimento para que eu pudesse dar conta dessas tarefas. Já que eu estava compondo, arranjando e regendo, porque não produzir estas peças? E foi assim, na medida em que as oportunidades apareciam, que eu acabei expandindo minhas áreas de atuação.

Aos 22 anos, minha carreira ia muito bem. Eu já tinha um certo prestígio, era muito requerido pelos estúdios como “free lancer”, e ganhava muito bem. Foi quando meus pais, com muita doçura, me chamaram a atenção para o fato de eu estar muito bem naquele momento, mas que eu precisava expandir meus conhecimentos pra aumentar as minhas chances de ter um ‘futuro’ na música.

Foi quando eu comecei a pesquisar uma escola no exterior. A melhor delas, pra o que eu procurava, era a Berklee College of Music em Boston, nos Estados Unidos. Além de inúmeros músicos internacionais de renome, alguns grandes músicos Brasileiros como Nelson Ayres, Roberto Sion, Luis Roberto de Oliveira, Zeca Assumpção, Cláudio Rodite, entre outros, já haviam passado por lá. Porém, tudo o que eu havia poupado nesses anos não era suficiente pra bancar a escola, que era, e ainda é, bastante cara. Foi então, que eu fiquei sabendo que um dos maiores produtores da época, Quincy Jones, tinha um programa de bolsas de estudo nesta escola. E foi numa mistura de ousadia e atrevimento, que eu anotei o endereço da “Q Productions”, que constava na contracapa do LP Triller de Michael Jackson e resolvi escrever pra ele.

Juntei o LP solo de minha banda, mais alguns de meus arranjos gravados em discos, fitas K7 com algumas trilhas e jingles e na maior cara de pau, enviei tudo pra ele juntamente com uma carta : “Dear Mr. Quincy Jones….”

Disse a ele que era um músico Brasileiro que adoraria estudar na Berklee mas que não teria condições financeiras de bancar a escola…

Pra minha surpresa, depois de um mês, recebi uma carta dele dizendo que havia gostado bastante dos meus trabalhos e que eu poderia falar com uma pessoa, Mrs Ferrari, do departamento financeiro da escola, pra formalizar a minha ida pra lá. Ou seja, eu havia ganho uma bolsa de estudos do Quincy Jones.

Inicialmente, achei que era uma pegadinha, mas isso ainda não existia na época. Depois de 5 meses embarquei pra Boston e lá, ao longo de mais de 5 anos, tive a chance de aperfeiçoar todas as frentes que eu já havia aberto anteriormente. Aprofundei os meus estudos em Composição, Regência, Orquestração, Piano, Sintetizadores, Produção e acabei me formando e recebendo um “Degree” em Música pra Cinema. E foi lá mesmo, nos Estados Unidos, que eu consegui um sócio pra montar um estúdio de gravação no Brasil. Compramos todo o equipamento e, de volta ao Brasil com 3 toneladas na bagagem, montei a Banda Sonora.

Hoje você é Diretor de Criação Musical da Banda Sonora. Como funciona o seu trabalho? Quais são os principais desafios que enfrenta no mercado?

Ruriá Duprat – Os estúdios Banda Sonora existem a mais de 20 anos e os trabalhos que fazemos são cada vez mais variados. Aqui, nós produzimos CDs, DVDs, Spots para Radio, Trilhas Sonoras para comerciais e séries de televisão, Música, Sound Design e Mixagem 5.1 para Cinema e para ações na Internet, além de tracks para eventos. Essas são algumas de nossas expertises.

Quanto aos desafios, eles são cada vez maiores. A cada dia que passa, as expectativas artísticas assim como o modelo de negócio, se transformam para que haja uma adequação a um mercado que hoje, mais do que nunca, passa por uma brutal metamorphose.

O reconhecimento também faz parte desta história. Com quais projetos a Banda Sonora ganhou o Grammy Awards e o Leão de Cannes? Como foi receber este reconhecimento?

Ruriá Duprat – A Banda Sonora já ganhou inúmeros prêmios em diversas áreas: além do Leão no Festival de Cannes, recebemos 8 Prêmios: Colunistas, Profissionais do Ano, Melhor Música de Cinema em festivais pelo Brasil e no Festival de Miami, um prêmio da Academia Brasileira de Cinema, Melhor Campanha para Rádio no New York Festival, fomos também Destaque Internacional na AdCritic, e recebemos dois Grammy Americanos, entre outros.

Os Grammy foram na categoria de Melhor Álbum de Jazz Contemporâneo e admito que foi uma enorme surpresa. Estavamos, meu sócio, Eduardo Santos e eu, no Staple Center em Los Angeles, concorrendo com nosso ídolos John McLaughlin, Mike Stern, Yellow Jackets e Tom Scott. Já estavamos gratos ao universo apenas pelo fato de estarmos ali e eu tinha certeza absoluta de que não ganharíamos mas, para minha surpresa, eu estava enganado. Foi realmente um momento incrível. Porém, devo dizer que não sou movido a prêmios. Eles são apenas consequências e frutos de muita dedicação e trabalho árduo.

E os novos projetos? O que tem de novidades para compartilhar com os apaixonados por música?

Ruriá Duprat – Estamos fechando alguns projetos interessantes. Entre eles, está o próximo CD do Ron Carter, uma lenda viva do Jazz com uma cantora Brasileira, Vitória Maldonado.

O CD foi gravado nos nossos estúdios no Brasil com o Ron Carter’s Quartet, uma orquestra de aproximadamente 40 músicos e alguns convidados muito especiais como Roberto Menescau, o saxofonista Naylor Proveta, o acordeonista Toninho Ferragutti, o gaitista Omar Izar, o violista Alexandre de Leon, além do premiadíssimo trompetista norte americano Randy Brecker. O Cd deverá ser lançado ainda este ano no Brasil, Estados Unidos, Europa e Ásia.

Com este lançamento, o Brasil passa a conhecer melhor a Vitória, esta cantora brasileira ainda desconhecida do grande público, mas que promete fazer muito sucesso.

Para finalizar, como você vê o mercado musical brasileiro? E o futuro dele?

Ruriá Duprat – Acredito que o mercado musical brasileiro esteja, por vários motivos, bastante restrito e focado em alguns poucos gêneros musicais. Por que vemos tanta gente cantando bem em programas de TV como o The Voice Brasil e nem sempre vemos gente de sucesso cantando tão bem nas rádios e programas da TV aberta? Por que assistimos à várias excelentes bandas em programas como Super Star, enquanto na “vida real”, as boas bandas são as mesmas de 20 ou 30 anos atrás? O fato é que existem sim, novos e bons cantores, novas e ótimas bandas de todos os estilos possíveis e imagináveis. O que não há é mercado pra elas.

De quem é a culpa?

Ruriá Duprat – Por um lado, a mídia nos oferece uma quantidade enorme de uma mínima abrangência de estilos. Por outro, já há muito tempo, existe uma demanda dos ouvidos mal acostumados de parte do público por uma música, de maneira geral, de baixa qualidade. Será que é a mídia que nos empurra essa música ou é o público que demanda a música que ouvimos nas rádios e nas TVs abertas e, por isso, ela vende tanto? Ou seja, quem veio primeiro: O ovo ou a galinha? Acho que jamais saberemos.

Não sou um purista e não tenho nenhum preconceito musical. Mas quando ouço um novo “Funkinho” cantado por crianças, com letras obscenas e uma música de baixíssima qualidade, eu me pergunto: E agora, o que virá depois?’ Acho que teremos de chegar no fundo do poço pra que comece a surgir uma música mais inovadora e um pouco mais interessante.

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